segunda-feira, 20 de março de 2017

Oligopólio da mídia distorce debate público

Por João Filho, no site The Intercept-Brasil:

Na década de 70, os pesquisadores Maxwell McCombs e Donald Shaw desenvolveram uma teoria para tentar explicar como a mídia determina os assuntos que serão debatidos pela sociedade. A teoria do Agenda Setting, conhecida em português como Teoria do Agendamento, foi pensada a partir de pesquisas feitas durante duas campanhas presidenciais norte-americanas. O estudo comprovou que os assuntos debatidos entre os consumidores de informação eram os mesmos que os sugeridos pela mídia. Portanto, a opinião pública seria direcionada pelas escolhas dos veículos de comunicação de massa. As principais pautas, os recortes e os ângulos da informação adotados pela mídia influenciariam diretamente a opinião dos receptores. Segundo Donald Shaw, “as pessoas têm tendência para incluir ou excluir de seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo”.

Nesses últimos trágicos anos da política brasileira, é possível perceber o esmero dos meios de comunicação em pautar a sociedade a partir da sua visão dos fatos. No meu artigo de estreia no The Intercept Brasil, comentei brevemente a respeito. Permitam-me a autorreferência:

“(…) ninguém pode acusar a imprensa brasileira de omitir informações. Ela publica tudo. Tudo mesmo, sem ironia. Mas, como se sabe, o diabo mora mesmo é nos detalhes, nas manchetes de capa, nos editoriais e na opinião dos colunistas mais prestigiados pelos patrões. (…) No final das contas, a decisão sobre o que vai brilhar na capa do jornal – ou se esconder num rodapé – sempre estará alinhada à opinião das famílias proprietárias.”

São inúmeros os assuntos de altíssima relevância para o país colocados em segundo plano. Selecionei alguns que, inegavelmente, mereciam ter grande destaque, mas não tiveram. Boa parte deles você já leu nessa coluna, mas acredito que vale a repetição como uma – perdão pela inocência – tentativa de compensar as omissões da imprensa brasileira:

Trecho de delação do Delcídio – em março do ano passado, a delação bombástica de Delcídio do Amaral abalou o país. Nela apareciam Lula, Aécio Neves, Eduardo Cunha, Michel Temer, Romero Jucá e diversos outros políticos como participantes de esquemas de corrupção. À época, Cunha e Dilma vinham travando as últimas batalhas da guerra do impeachment. Um trecho da delação que ajudaria a explicar este duelo e a contextualizar o processo de impeachment foi quase que completamente ignorado pela imprensa.



Resumindo: segundo Delcídio, a treta entre Dilma e Cunha teria começado a partir do momento em que a ex-presidenta fez uma limpeza em Furnas ao demitir diretores ligados a Cunha. O delator ainda diz que Dilma colocou no lugar uma diretoria “absolutamente técnica” – o que seria um espanto para quem tinha certeza que ela aparelhava tudo. O Jornal Nacional, que dedicou muito tempo da sua programação para a delação de Delcídio, preferiu ignorar este trecho que revelava como começou a grande briga política entre os dois presidentes dos principais poderes do país. O incrível é que, no meio do ano anterior, a Época nos informava que Renan, Cunha e Temer evitariam o impeachment de Dilma.

Funcionária fantasma do Serra – A tapioca de Orlando Silva (PCdoB) comprada com cartão corporativo foi martelada durante dias na mídia brasileira. Todo brasileiro conhece a história que acabou entrando pro anedotário político nacional. Já a história da funcionária-fantasma contratada por José Serra (PSDB) pouquíssimos brasileiros conhecem, quase não se ouviu falar. Um senador da República usou dinheiro público para pagar uma funcionária que não comparecia ao trabalho. A fantasma é irmã de Miriam Dutra, ex-namorada de FHC. Uma história que daria pano para manga, mas ninguém se interessou em botar a mão nessa cumbuca. A notícia apareceu e evaporou rapidamente. Não houve desdobramentos, ninguém incomodou Serra com perguntas a respeito, e ele virou ministro das Relações Exteriores sem ninguém lembrar do caso.

Prisão de primo de Aécio Neves – o primo do Mineirinho da Odebrecht foi preso por comandar um esquema que vendia habeas corpus para traficantes no interior de Minas Gerais. O problema não é o parentesco, mas o fato de que um dos participantes do esquema era o desembargador Hélcio Valentim– indicado por Aécio Neves e que também foi preso. O Fantástico chegou a fazer uma reportagem de 12 minutos sobre o assunto que teria sido excelente se não houvesse omitido o parentesco com o tucano. Aécio continuou blindado por muito tempo e pode se candidatar tranquilamente à Presidência da República sem ser incomodado com o assunto. O seu primo também. Depois de solto, concorreu ao cargo de prefeito em Cláudio (MG). Agora feche os olhos e tente imaginar a repercussão na imprensa se ele fosse primo do Lula.

Helicoca – em 2013, um helicóptero do deputado mineiro Gustavo Perrella é flagrado pela polícia com quase meia tonelada de pasta base de cocaína. O piloto era homem de confiança de Perrella e trabalhava como agente de serviço de gabinete na Assembleia Legislativa de Minas Gerais por indicação do deputado. Ou melhor, não trabalhava. Apesar de receber em dia dos cofres públicos mineiros, o piloto de Perrella não comparecia ao trabalho. Essa trama digna de um episódio de Narcos não foi um tema que durou muito tempo na imprensa. Piloto, copiloto e outras duas pessoas que descarregaram a droga foram presas e soltas meses depois. Gustavo Perrella nem foi citado na denúncia, a Polícia Federal não viu nenhum envolvimento dele no caso. A imprensa aceitou docilmente e nunca mais tocou no assunto. O Perrellinha ainda foi premiado por Temer com cargo de secretário no Ministério do Esporte.

Operação Zelotes – é natural que a Lava Jato seja o grande assunto dos últimos anos no país devido ao envolvimento de políticos graúdos de todos os partidos. Mas e a Operação Zelotes? Por que se fala tão pouco nela? O rombo aos cofres públicos é 3 vezes maior que o causado pelos crimes da Lava Jato. Não é possível que se fale tão pouco sobre a operação. Grandes anunciantes da imprensa como Santander, Bradesco, Banco de Boston, Ford, Gerdau, Safra, Mitsubishi participaram do esquema de corrupção que fraudava o fisco. Só a RBS, afiliada da Globo, pagou R$ 11,7 milhões para um conselheiro do CARF zerar suas dívidas com a Receita. De fato, este é um tema espinhoso para os barões da imprensa.

Yunes revela estratégia para eleger bancada pró-Cunha – um amigo de meio século do presidente não eleito revelou a existência de uma estratégia para construir uma bancada de 140 deputados para eleger Cunha presidente da Câmara. Tudo isso teria sido intermediado por Funaro, o doleiro de Cunha preso no mensalão. Falou-se bastante do caso Yunes, mas quase nada sobre essa curiosa construção de bancada. Deputados foram comprados por Cunha? Temer e Padilha capitaneavam essa estratégia? Qual era o papel do doleiro nisso? São perguntas que não foram feitas e provavelmente nunca serão.

Renan acusa Cunha de comandar governo da cadeia – um senador do PMDB acusa o governo do PMDB de ser comandado por um criminoso do PMDB de dentro da cadeia. Uma acusação clara, direta, feita com todas as letras, mas… esta não foi a grande pauta da semana! A notícia chegou, ficou um pouquinho no ar e tchau! Não houve nenhum aprofundamento, nenhuma grande reportagem, ninguém pressionou o Planalto por uma explicação. Virou passeio, amigo!

Manifestações contra a Reforma da Previdência – na última quarta-feira, uma greve geral foi convocada pelas centrais sindicais levando centenas de milhares de pessoas às ruas para protestar contra a Reforma da Previdência proposta pelo governo Temer. A manifestação ocorreu em 19 capitais. Diferentemente do que acontece com manifestações convocadas pelo MBL e Vem Pra Rua, a cobertura foi tímida e bastante crítica, dando enfoque para os problemas que a greve causou ao trânsito.

E o jornalismo brasileiro conseguiu fazer da cobertura de ontem a maior editoria de “trânsito” da história da humanidade.

— xico sá (@xicosa) 16 de março de 2017

A Folha foi o único grande jornal a noticiar as manifestações na manchete de capa. O Globo e Estadão não consideraram o fato suficientemente relevante para ganhar o mesmo destaque. Grandes portais brasileiros como UOL e Globo.com ignoraram solenemente. Nenhuma foto, nenhuma chamada, nada. Esses são os screenshots das capas dos portais ao meio-dia do dia seguinte aos protestos:








Já em outras manifestações, não havia espaço para outro assunto na página principal do UOL:



Esses são alguns casos aleatórios que lembrei, mas há uma infinidade de outros. É inacreditável que notícias dessa relevância tenham passado apenas lateralmente na imprensa brasileira. São fatos fundamentais que não foram destacados e explorados pelo jornalismo brasileiro. Não é razoável admitir que esses temas sejam escanteados no noticiário.

É grave demais para um país democrático que a comunicação esteja concentrada nas mãos de meia dúzia de famílias. São essas pessoas, auxiliadas por funcionários alinhados a elas, que determinam o que passará na rádio, na TV, no jornal. É esse grupelho que decide o que a massa irá discutir essa semana e o que será descartado semana que vem. A internet e as redes sociais, apesar de trazerem um respiro e abrirem novas possibilidades, ainda ecoam e são guiadas pelas pautas da imprensa tradicional.

Uma regularização no setor de comunicação que torne os meios mais democráticos é urgente, apesar de cada vez mais distante numa época em que o governo ilegítimo decide irrigar ainda mais os barões midiáticos com dinheiro público. O modelo concentrador é o mesmo da época ditadura militar. O Brasil precisa se livrar dessa trava ou continuará a reboque dos interesses de um grupelho que se criou nos anos de chumbo e até hoje vem influenciando os rumos da nação.

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